17.2.05

Cidade Neve

A Covilhã serpenteia na encosta da Serra da Estrela. Debaixo das calçadas escuras e vertiginosas correm rios amorfos e de noite os lobos fazem cercos às luzes, escondidos no mato da serra.) Quando a claridade se esconde, as ruas tornam-se amarelas, de tão gastas pelo tempo. Virgens da lã e da neve entoam cantigas antigas, enquanto rodopiam sobre os teares mortos que jazem nas calçadas. (Todas as ruas têm fantasmas mudos de fiadeiras e pedras gastas. É ver desfilar os casarões dos ricos no cemitério, indiferentes ao novo olhar que o tempo trouxe à cidade.) De noite, nas ruas mais escondidas, chega-nos o cheiro a mofo das janelas que o vento partiu nas casas abandonadas. Apodrecem sedas, veludos e brocados dos enxovais das meninas nos salões e nos varandins. Sobrevivem as carquejas na encosta e o velhinho Miradouro a caminho das Penhas. Tristes, assistem ao lento apagar das serpentinas de luzes das grandes fábricas, enquanto a última Estrela da Serra agoniza.

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