28.3.08

Todas as palavras são inúteis

Quatro da manhã.
«Um dos mais prolíferos arquitectos»

De súbito, deixo de escutar. Ao longe, a voz do Rui carcomida por um corpo sem braços a brincar com malabares

«Patente na interessante... originais e também betão armado... pelo Pelouro...Arquivo»

A morte segura os óculos, num gesto de apreensão e espreita do cimo do armário da entrada. Ofegante.

«Aprofundado estudo... editado... obras... sobretudo no... transitou... precisamente»

Precisamente, susurra o homem sem braços dos malabares. E a morte a rir-se de um homem morto sem braços a brincar com malabares.

«Esta é, assim, uma de três personalidades... mas prevê-se um mecanismo com os primeiros sintomas...»

Foder e ir às compras, fazer o gato desaparecer; O gato da Alice numa repartição das finanças; Sou capaz de muito mais. Incapaz de muito menos. O pensamento esvaiu-se-me pelas veias. Um comprimido, apenas, para salvar o mundo. Isto está tão próximo da verdade que até mete medo. Tentativa de partir para uma coisa igual. Um romance de aventuras. Acordes estilhaçados e a sombra da bandeira francesa.

«Sobretudo para cinéfilos»

Deves julgar-te feliz e iluminado, do alto da tua retórica de náuseas. Podias morrer num acidente de automóvel, que eu diria às pessoas que te são próximas: "O defunto era demasiado bloco de notas, coitado".

«É uma daquelas vetustas»

Como o ciúme, a dor e a perda.

«Crianças a partir dos 3 anos»

Vai-te foder e deixa-me em paz. Senhores e senhoras este é o meu fantasma.
A morte suspira e o homem sem braços dos malabares tem, agora, meia hora para ser surrealista, antes de morrer outra vez. "O saboroso ADN da pele", idealiza a morte.
Para mim, nada mais importa para além da estúpida invasão de discos voadores, manchete de um noticiário que nunca existiu. Há um monstro no planeta Vénus e a gente só pensa em foder e ir às compras.

Quem procura longe, ignora o que está perto.