22.5.05

Um destes dia, dei por mim a pensar na velocidade absurda com que os dias teimam em passar. A serra tornou-se numa bússula, todas as manhãs, e hoje o céu acordou da cor do granito. Alguém me empresta um lápis colorido para pintar a ansiedade?

12.5.05

"tenho medo. de noite, quando não consigo dormir, a morte
ressuscita mortes. deitado sobre a cama, uma mão negra
desce do tecto para me tocar no peito. tenho medo. silêncio
e frio sobre o meu corpo. olho para dentro de mim e não
vejo nada. tenho medo. todos os que me chamam de dentro
da escuridão sabem que há uma casa com paredes antes
de mim, sabem que eu não sou aquele que ilumina o mundo.
tenho medo. quando não consigo dormir e prolongo as
noites, a culpa envolve-me de medo e frio, o silêncio diz-me para esperar, pois o descanso virá com a noite maior, a noite em que a manhã nunca chegará."



José Luís Peixoto."A Casa, A Escuridão"

11.5.05

Mar Adentro, Alejandro Aménabar

O Globo de Ouro e o Óscar para melhor filme estrangeiro fizeram de “Mar Adentro”, de Aménabar, um sucesso de bilheteira. Num primeiro olhar, apetece dizer que o realizador já merecia, há muito, o prémio da Academia, por “Abre los Ojos” (que deu origem ao sucesso hollywodesco “Vanilla Sky”) e “Los otros” (o filme com Nicole Kidman cujo final é, no mínimo, surpreendente). Poderia, deste modo, tratar-se de um mero prémio de consolação, bem ao jeito da Academia, depois da adaptação bem sucedida e rentável destes dois filmes do realizador espanhol à magia do cinema americano.
Porém, Aménabar surgiu com um filme algo complicado. Fala sobre a eutanásia, sobre o direito de viver com liberdade e morrer com dignidade. Um primeiro olhar sobre qualquer sinopse dir-nos-à que, na verdade, a temática presente em “Mar Adentro” é um tanto ou quanto vulgar. No entanto, o filme deu-nos a ver pequenos momentos de pormenor extremamente bem conseguidos, onde se conjugam elementos sonoros fortes (nota para a participação de Carlos Nuñez que, com Aménabar, se encarregou da banda sonora) com um argumento bastante bem conseguido e boas interpretações.
O desejo inabalável de abandonar a vida perante toda uma série de limitações físicas marca o percurso do protagonista, preso há quase 30 anos numa cama. Rámon Sampedro lamenta o próprio desejo de morrer e faz uso, em todos os momentos, de uma lucidez comovente.
Uma das cenas marcantes do filme, pontuada com um toque subtil de humor, e que poucos realizadores conseguiriam ilustrar de forma tão divertida, foi o encontro de Rámon com um padre que o visita, a fim de o convencer a escolher a vida. As diferenças ideológicas e religiosas são ridicularizadas por Aménabar, fazendo as personagens discutir à distância, uma vez que a cadeira de rodas do padre (também ele impedido de se mover) não conseguia passar pela escadaria que levava ao quarto do protagonista. Aliás, é neste tipo de ilustrações que Aménabar ganha pontos. Porque, como dizia no início, se o tema é vulgar, a forma de o abordar assume, em “Mar Adentro”, muitas maneiras diversificadas.
Embora não fazendo disso uma bandeira (há, apenas, uma nota discreta no ecrã, mesmo no final da película), a história de Rámon é, afinal, verídica. Durante anos, um sujeito espanhol, com o mesmo nome que o protagonista de “Mar Adentro”, tentou obter na Justiça o direito de morrer. Por fim, concebeu um plano para cometer o suicídio. A investigação aberta após a sua morte, em 1998, não chegou a nenhuma conclusão quanto aos responsáveis pelo seu desaparecimento. No final de contas, “Mar Adentro” funciona de forma exímia no sentido de nos forçar a uma análise interior que pode revelar-se impiedosa, cruel e surpreendente.
Apesar de tudo isto, existem muitos momentos em “Mar Adentro” a roçar o lugar-comum. Muitas das cenas obedecem a criteriosos clichés. No entanto, o filme acaba por nos tocar e por causar uma estranha impressão que cada um definirá individualmente, conforme a sua crença e as suas experiências.