28.11.08

N.

"Nós".

25.11.08

Encontrei o meu fígado debaixo do sofá, ontem à noite.
O fígado é um órgão importante. Toda a gente devia ter um.

(O fígado é a maior glândula do corpo humano e está localizada no canto superior direito do abdómen, sob o diafragma. Tem um peso aproximado de cerca de 1,5 quilos no homem adulto e um pouco menos na mulher. Nas crianças, é proporcionalmente maior, uma vez que constitui 1/20 do peso total de um recém-nascido. Na primeira infância, o fígado é um órgão tão grande, que pode ser sentido abaixo das costelas, do lado direito)

Discos da minha vida - IV



Tori Amos, "Little Earthquakes" (1992)

«...não há mais metafísica no mundo senão chocolates»

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

(...)

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.

(...)

Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
(...)
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.

Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.

(...)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.


(...)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente


Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo

(...)

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.



Álvaro de Campos, 15-1-1928

24.11.08

Os Smiths estão de volta...



... Em disco, é certo. Ainda assim, é uma grande notícia para os fãs da banda de Morrissey e Johnny Marr. “The Sound Of The Smiths” é uma colectânea que reúne todos os singles lançados comercialmente, temas inéditos e outas raridades. Só por ser a mais completa antologia dos Smiths já vale a pena, mas... porque não sonhar com uma reunião?

No mês passado, especulou-se sobre essa possibilidade. A imprensa da especialidade avançava com a notícia de de Morrissey e Johnny Marr poderão aceitar uma soma milionária para actuar num festival americano, no próximo ano.
Em tempos, Morrissey afirmou peremptoriamente que preferia comer os próprios testículos a voltar a tocar com os Smiths. Mas, de acordo com a imprensa inglesa, as prioridades do cantor poderão ter-se invertido.
Fontes próximas de Morrissey, Marr e companhia garantem que há uma forte possibilidade de, no próximo ano, os Smiths serem os cabeças de cartaz do festival norte-americano de Coachella, em troca de uma quantidade "absurda" de dinheiro.
Em 2006, Morrissey recusou uma oferta de quase três milhões de libras (mais de dois milhões de euros) para actuar nesse mesmo evento, mas desde então a organização terá aumentado significativamente o cachet.
Ainda segundo as mesmas fontes, por detrás da mudança de atitude de Morrissey poderá estar a sua ligação recente a Irving Azoff, importante figura da indústria discográfica que desde o começo do ano é seu manager. Terá sido Azoff a convencer Morrissey da validade de uma possível reunião dos Smiths.

A banda de "How Soon Is Now" pôs termo à sua carreira em 1987, com o derradeiro Strangeways, Here We Come , tendo rejeitado, nos últimos anos, numerosas ofertas para voltar a actuar ao vivo.

(Fonte: Blitz)
Neva em Varsóvia, meu amor.

Discos da minha vida - III


"Kid A", Radiohead (2000)

21.11.08

ALFONSE MUCHA (1860-1939)







Alphonse Marie Mucha é mais conhecido como artista gráfico da Art Nouveau, de estilo inconfundível e referência obrigatória da "Belle Epoque". No entanto, entre 1880 e 1920, utilizou a fotografia como meio de estudo para as suas ilustrações e amealhou um trabalho consistente também nessa área.

Em abril de 1913, Mucha viaja para a Rússia com a intenção de reunir material para a pintura da proclamação do Tzar Alexander II, que faria parte da sua série de Épicos Eslavos. Mucha impressionou-se com o que chamou de "Relíquia da Sociedade Medieval" em pleno século XX. Grande parte das fotografias deterioram-se. Ainda assim, constituem um importante exemplo de reportagem social.

"Anxiety", Man Ray (1920)





2 de Agosto de 1978
Texto publicado na "Opção"
Man Ray e ainda a fotografia


Em Março de 1968 foi publicado em Lisboa um livro com umas centenas de páginas de respostas de escritores e artistas sobre a "situação da arte" em Portugal. "Semanas antes de Maio 68, que aqui chegaria refractado e lentamente. Terminava a série das minhas respostas com uma precisa esperança: "Faço votos para que o novo mate o velho, influenciando a arte e tudo o resto".

E hoje penso que inevitavelmente isso irá acontecendo; mas com duas reservas fundamentais. A primeira: que fora das sociedades rituais essa morte do velho é lenta e ressurgente, num mundo de fantasmas (revenants) do passado não vivos mas à espreita (o que dá por vezes a impressão de que nada muda). A outra reserva; que esta morte do velho é relativa, dialéctica, e contaminada de erotismo, quer dizer de amor. Os amigos, por exemplo, morrem apenas para viver (mais) na sua descendência, nós.

A polémica do novo

Seja como for o novo tem que se defender, polemicamente, a verdadeira oposição é entre o novo e o marasmo; o novo e a mediocridade; o novo e o conformismo. As expressões "nova" fotografia, "novo" livro têm apenas sentido neste contexto. Para a discussão sobre a "nova" fotografia oferecemos hoje aos leitores um documento, um texto. De facto, uma entrevista que fiz em 1953 a Man Ray. À minha ingenuidade da época opõe-se agora a lucidez do grande artista dadaísta. Perdido no número de Maio-Junho de 53 do "Plano Focal", este texto há agora publicado na íntegra. Que sirva às actuais polémicas sobre a "nova" e a "velha" fotografia; sobre as relações entre fotografia e pintura. Tinha por título

Man Ray

"É um acontecimento sem precedentes que a uma invenção mecânica como a fotografia - tantas vezes desprezada do ponto de vista da criação - tenha adquirido em menos de cem anos de evolução o poder de se transformar numa das primeiras forças visuais da nossa vida. Noutros tempos o pintor imprimia a sua visão sobre a sua época: hoje essa tarefa pertence ao fotógrafo". Moholy-Nagy.

Personalidade complexa, pintor, realizador de filmes de vanguarda, fotógrafo, criador de móveis e de objectos… "para fazer rir", Man Ray é um dos mais célebres criadores fotográficos, um dos mais discutidos e um dos mais combativos representantes da arte moderna. No começo da entrevista que nos concedeu, no seu estúdio da praça de St. Sulpice, em Paris, onde vive há muitos anos, o fotógrafo americano começa por se defender da cedência de fotografias para "Plano Focal" de maneira bastante bizarra: "Eu só trato com pessoas de dinheiro! Não… com as fotografias vendo o meu nome…", e no mesmo estilo prosseguiu durante algum tempo: falou de negócios, de publicidade, de direitos de autor… Foi com dificuldade que consegui dobrar esta corrente de eloquência; dar-lhe uma ideia dos nossos meios limitados, mas também do nosso entusiasmo… enfim: falar de fotografia.

"A fotografia é para mim, apenas um "aspecto preto e branco" da pintura. Assim como a escultura e a pintura são dois aspectos duma mesma realidade artística. A diferença é a mesma… é uma diferença de processo". Fala pouco, a sua conversa nervosa e entrecortada não é propícia ao diálogo. Mas quando arrisco a expressão "arte fotográfica" ele interrompe-me e afirma contraditoriamente:

"A fotografia não é uma arte em si… Poderá atingir altos valores: mas isso depende de quem a pratica. Há meia dúzia de criadores e esses, tanto o são com este processo ou com aquele. Em seguida vêm os imitadores. Mas repare, que não me insurjo contra eles: sinto-me até muito lisonjeado quando me imitam. Trata-se de pessoas que sabem apreciar… Pelo meu lado, procuro sempre a novidade. Mas não nos devemos indispor com aqueles que procuram sempre fazer a mesma coisa"…

"Há duas coisas que me interessam acima de tudo: a procura do prazer e da liberdade… É por isso que eu desprezo as coisas… dos outros. Há um problema difícil a resolver? É sempre possível encontrar uma solução fazendo o contrário do que se espera de nós… O resto são compromissos".

A palavra "compromisso" faz-lhe por um momento lembrar a sua preocupação parcial: "Fazer comércio, compromisso? O que não me interessa: não me interessa mesmo ganhar dinheiro; eu prefiro ter dinheiro. Mas, enfim, nem sempre sou contra os compromissos. Mas os homens de negócios não nos devem impor as suas ideias…". Compreendo que Man Ray, como fotógrafo profissional se refere aos editores de revistas, às casas de publicidade, etc.. E lembro-me que, apesar de uma certa incoerência patente nas suas palavras, ele se refere a um dos aspectos mais interessantes da sua obra: a procura e a defesa dum estilo próprio. E apesar de tudo, o facto de ter sabido impor esse estilo, de ter sabido inovar e mesmo torná-lo comercial - é sem dúvida nenhuma mais louvável do que o compromisso, a imitação do já feito.

Man Ray fala-me então dos seus "processos". "A fotografia, como qualquer outro processo artístico não deve limitar-se a princípios… Imitar a pintura? Porque não? Mas já lhe disse o que penso de toda a imitação. Eu não imito a pintura: com a fotografia… faço pintura. Todos os meios são lícitos, umas vezes emprego o "flou", outras procura a surpresa das sobreposições… Quando isso me interessa, invento novas trucagens de laboratório, ou sirvo-me das antigas. Veja por exemplo o "grão": é uma das grandes preocupações dos fotógrafos. A que penas se não sujeitam para o evitar? Pois eu sirvo-me dele! E com a ajuda do "grão" consigo provas que me agradam imenso. Já pensou como uma fotografia desfocada pode ser impressionante? Ou o que se pode conseguir com a sub-exposição de um negativo? É claro que uma vez saltado o muro, transposta a convenção, infringida a regra… a novidade deixa de o ser: vêm os imitadores. Foi o que sucedeu com a solarização. Hoje toda a gente faz solarizações".

Entendo arriscar uma observação sobre a diferença que há entre inovar quanto às formas (sempre relativo) e inovar quanto ao conteúdo… Mas Man Ray não me dá tempo. Consigo todavia, na última observação sobre o surrealismo, movimento artístico, ou melhor: cultural, com que Man Ray tem afinidades.

"O surrealismo tornou-se hoje permanente… e talvez tenha perdido a sua razão de ser. O caso de Dali, Chirico, são bastantes lamentáveis. Mas se não há surrealismo, continua a haver surrealistas. De resto, já os havia, mesmo quando ainda não tinham sido baptizados… Por mim, nunca estive completamente de acordo com o surrealismo: é todavia o movimento artístico mais apaixonante que tenho conhecido. Talvez assistamos actualmente a um recuo, um enfraquecimento - mas em arte não há progresso, o que é preciso é fazer cada vez mais forte".

1953: … os objectos não eram "para rir", e Man Ray tinha muito menos a ver com o surrealismo do que nos parecia então. Mas a "entrevista" aí fica, com a sua verdade textual.



Ernesto de Sousa
O hipermercado, avisa a rapariga dos embrulhos de voz anasalada, encerra daqui a menos de nada. Porque os hipermercados também dormem.
É doce.
Quatro filmes na carteira e sentir-me, assim, à beira de um final qualquer. Como se o mundo terminasse depois de amanhã (às 21 em ponto vamos todos morrer, adianta a rapariga dos embrulhos.
As pessoas e os condicionalismos. Quem dera estar só num lugar de inifinita compaixão. Maior que o mundo. Maior que a fé).

É como se na solidão de um quase silêncio prestes a assomar estivesse a certeza do reencontro como o nada.
22 horas:
Observo a tua congestão de raízes. De seguida, aplaudo fervorosamente a embolia de lugares-comuns. Por último, engasgas-te de morte com o medo da diferença. Quando o teu coração parar, saberás que a tua hora chegou. Mesmo assim, aflige-te de morte que os teus sapatos Prada estejam a nadar em vómito. É que, na hora da morte, vomitaste 80 por cento do cérebro - geralmente ocupado por asco e futilidades. Nunca soubeste o nome das canções. Nunca leste um livro. Nunca respeitaste a alma dos poetas. Sorris e eu pergunto, antes de partir, "why then are you so surprised when you hear your own eulogy?"

Eu sei. Nunca ouviste a canção.

Tritone

1 - Estar só na multidão é estar mais perto do céu. Uma espécie de imortalidade.

2 - A minha mala de cartão é, afinal, uma lata de conservas gigante.

3- Estar em ti, no que fomos, é ser eu.

20.11.08

Não há motivo para te importunar a meio da noite

Não há motivo para te importunar a meio da noite,
como não há leite no frigorífico, nem um limite
traçado para a solidão doméstica.

Tudo desaparece. Nada desaparece. Tudo desaparece
antes de ser dito e tu queres dormir descansada. Tens
direito a um subsídio de paz.

Se eu escrever um poema, esse não é motivo para te
importunar. Eu escrevo muitos poemas e tu trabalhas
de manhã cedo.

Toda a gente sabe que a noite é longa. Não tenho o
o direito de telefonar para te dizer isso, apesar dessa
evidência me matar agora.

E morro, mas não morro. Se morresse, perguntavas:
porque não me telefonaste? Se telefonasse, perguntavas:
sabes que horas são?

Ou não atendias. E eu ficava aqui. Com a noite ainda
mais comprida, com a insónia, com as palavras
a despegarem-se dos pesadelos.

José Luís Peixoto

Discos da minha vida - II


Movimento, Madredeus (2001)

19.11.08

Um beijo é sempre
um sinal de poesia. Copioso desdém.
Esfera solta na estranha cadência dos dias.

Estar mais perto de Deus: também isso é amar.