19.7.05

Este Zimbro que nos aquece a alma

Tenho perdido, nos últimos tempos, o grande entusiasmo que sempre tive pelos livros. O motivo, tenho-o dito com frequência, prende-se com a falta de qualidade da maioria das obras que me têm vindo parar às mãos. Não sou apologista da liberalização das editoras. Subitamente, parece que se publica qualquer texto, sem olhar à pequenez de horizontes e à falta de talento que prolifera por aí.
Porém, hoje, fruto de uma grande coincidência, veio-me parar às mãos uma obra extraordinária, do Artur Aleixo, de quem só conhecia os trabalhos de pintura. A obra de que vos falo chama-se “Este Zimbro que nos aquece a alma” e reúne trabalhos de pintura e de poesia de grande qualidade.

Dexo-vos a poesia que inaugura as páginas do livro:



“... à minha frente, vales desvairados de mil cores,
numa primavera que irrompe por socalcos
de pinheiros, arbustos rasteiros e uma música
leve que os agita num infinito de tempos
e espaços de serenidade sem fim.

Afasto as nuvens, procuro o azul do céu,
e, no castanho húmido das montanhas, a
floresta densa do zimbro verde, escuro,
estendida pelas paredes geométricas
do teu corpo, pleno de frio invernio
que orla o meu desejo de ti.

Brancas montanhas, de brancos contidos nos
covões da tua vitalidade, neves perenes
salpicadas do negro dos teus vales profundos,
absintos verdes que me levam ao teu
tempo escasso, retraído pelos ventos
do preconceito do amor.

No teu corpo, Estrela, há uma alma a mais,
na tua respiração há um ar grave, pesado,
do momento de estar aí na dureza das pedras,
nos seios da natureza, no cheiro do orvalho
(transpiração da tua terra fria) no intervalo dos
mundos (das tuas montanhas, do meu céu).

Em ti, Estrela, tudo flutua à minha volta.
O silêncio do ponto mais alto é apoteose
do amor, quando teus aromas se espalham
e eu chego atrasado ou adormeço,
nos lugares da paixão.

Amanhã, com o gelo quebrado, o teu zimbro
romperá rasteiro sobre mim, os teus frutos azuis,
arborescentes, serão meus no canto dos lábios
sedentos de um zimbro quente,
como quentes e breves são as noites
quando chegamos às estrelas.

Afasto as nuvens, sopro os ventos e, aí
está a tua passagem livre no glaciar
profundo do teu leito aberto pelos silêncios
dos lugares que encantam a vida.”
Artur Aleixo é Professor de Filosofia e é natural do Peso (Covilhã). Muito gostava de vos poder mostrar deste pequeno livro extraordinário, a começar pelas ilustrações, que são quadros do autor. Através das linhas com que os "ilustra", traz-me à lembrança pedaços de Eugénio de Andrade e Mário Rui de Oliveira.
Aproveito para vos dar a novidade, que não vem nada a propósito, mas já sou tia. O pequeno Gabriel nasceu este Sábado.

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