Parece-me que fugiste, outra vez. Sim, amor. Entendo. Se calhar, quiseste matar-me, porque sabes que o meu corpo é o teu sangue e o meu sangue é o teu corpo agarrado a mim. Amo-te, sim. Não, não é indiferença. Quero-te tanto, tanto! A merda da vida já não faz sentido sem o teu beijo e o teu olhar no meu. Ontem acordaste-me no início do meu sono estranhamente prolongado e disseste-me que não és metade do que eu penso. Ficaste a ver-me dormir a noite inteira, quase aposto... e eu odeio quando pousas os teus olhos nos meus, sem que os meus possam saber... é uma questão de estar desprevenida. O dia tem 24 horas e eu odeio-te 25 vezes numa hora. Odeio a tua perfeição absurda, odeio-te de cima a baixo e só penso em matar-te. Não consigo dizer-te o que quero para nós. Mas agrada-me, particularmente, a ideia de ser dona do teu reino. Veludos. Cetins. Fotografias de viagens. Canções nocturnas. Riso. Partilha. Na verdade, sei que te hei-de amar desta forma por muito tempo. Hás-de ser tu a partir-me o coração. Porque o teu mundo é imenso e eu não te hei-de bastar. Hás-de chamar "exercícios de estilo" à falta de afectividade que os dias hão-de acabar por trazer. Tornar-me-ei sozinha e azeda, por tua graça.
Um destes dias, fui a uma noite de Fados, daquelas típicas da Covilhã, em que há um ambiente agradável por ser tudo muito a brincar. Fomos no carro da Fadista-Mor (aquela que se faz a mim descaradamente). Não sabíamos muito bem para onde íamos, falaram-nos num bairro perto da Vila do Carvalho. Deparámo-nos com uma sala merdenta e meia dúzia de fulanos aciganados, com as feições carcomidas pelo ar da Serra. Afinal, há mais terra para além do fim do mundo que é a cidade. Cantou-se o fado, por entre facadas e palavras menos dignas ( o que acabou por ser positivo- permitiu-nos não pagar a conta). Na nossa mesa de gala, sentou-se um Fadista convidado. Francamente, o senhor canta mal, mas acaba-se por convidá-lo sempre, ninguém sabe bem porquê. Tem uma presunção irritante por meia dúzia de versos repetidos que traz na carteira e acaba por nos fazer bem estar perante tremendo palhaço. O sujeito resolveu levar a Imaculada Esposa para a pseudo-noite de Fados. Meia hora depois, o fumo do tabaco incomodava-a "horrivelmente". Apagaram-se os cigarros, momentaneamente. Uma hora depois, o barulho partia-lhe os delicados ouvidos. Apagaram-se as vozes e os murmúrios. Mais tarde, o Senhor Poeta cantou uma canção sobre o amor desfeito e uma amante. Doía-lhe a cabeça, "irremediavelmente"- o maridinho levou-a a casa, amorosamente. Rejubilámos com a ideia. Quando regressou, já tinha perdido a extracção da série do loto que lhe havia custado uma pequena fortuna.
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