10.7.04

Coisas de Vizinhos

O meu vizinho é louco, mas no pior sentido que se pode atribuir à palavra. Ultimamente, tem-me ocorrido com uma frequência assustadora, a vontade cega de o atirar, em surdina, pelas escadas do prédio abaixo. Filho de um ex-combatente da guerra, que trabalhou anos como enfermeiro num hospital psiquiátrico e de uma mulherzinha muito baixinha e gorda, cheia de queixumes e dona de uma voz fininha e estridente, o meu vizinho talvez não tenha culpa de ser, assim, palerma. Mas a verdade é que o é. E hei-de atirá-lo pelas escadas abaixo. Espero que não sobreviva, caso contrário a minha vida complica-se, mas acredito que se lhe disser que foi sem querer, ele acaba por desculpar e aceitar a minha distracção. O pai do meu vizinho fuma três maços de tabaco por dia, dois deles exclusivamente no elevador, e conta-se que perdeu um grupo grande de amigos na guerra. Foram comidos por crocodilos, depois de uma ponte ter cedido. Diz-se, também, que ele assistiu ao sucedido da margem do rio. E é assim que a vizinhança acaba por lhe perdoar algumas extravagâncias, mas eu acho que ele só tem que dar graças a Deus por não ter sido comido, também. Mais valia ter lá ficado... Já me lembrei, muitas vezes, de me fazer de desentendida e colocar um crocodilo empalhado no elevador, de manhã. Pode ser que se engasgue com o fumo e acabe por morrer de forma silenciosa, de preferência, porque eu gosto de dormir até tarde.

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