8.7.04

Quando ela falava dos romances de que gostava, sentia uma ponta de inveja dos personagens, sobretudo dos masculinos. Muitas vezes, deixava-se levar por universos negros, mais do que devia, e ele lamentava não ter asas para voar por sobre a loucura. No dia em que se deixaram e o seu primeiro amor terminou, jogado por entre palavras confusas, quis lamentar a perda, mas em vão. Palavras como "irresponsabilidade" ou " espaço" e "tempo" pareciam-lhe demasiado para quem tão pouco tinha vivido. Muitas noites depois, porém, recordava-lhe o cheiro doce a morangos e a voz quieta e mansa. Pouco importavam as carícias, valia mais o riso dela e o luar e as cumplicidades e as estrelas. Não ficou surpreendido por tê-la perdido para o Pedro. A relação de amizade que eles mantinham, muito antes de a conhecer, sempre o incomodou. Poucas vezes estavam juntos, ou presentes, mas havia um brilho no olhar dela quando se referia a ele. As palavras que trocavam e que ele invejava. Os trilhos que haviam percorrido e ele nunca tinha visto. A admiração que ela lhe guardava, num lugar altivo e inacessível. Não julgava era que fosse tão de súbito. E não conseguiu conter o despeito, por algum tempo. Evitava-a, trocava o olhar quando, inevitavelmente, acabavam por se cruzar. E guardava os personagens dos romances que ela inventava, durante a noite. Habituara-se também a eles e adivinhava-lhes finais trágicos, que ela imediatamente refutava. "Tens de perceber quem são e porque fazem correr as linhas". A sua primeira curiosidade foi experimentar a cama de outra mulher, comparar o sabor de outra pele. Faltavam candidatas, é certo, mas cedo se apercebeu de que era uma questão de esforço. E no dia em que os viu passar, aos dois, felizes, e lhe encontrou, a ela, um brilho nos olhos que há meses não conseguira fazer despertar, acabou deitado na cama de Paula, com uma estranha sensação de vazio e alheamento. A pele e o odor eram diferentes, mas os lençóis pareciam-lhe mais cuidados. Agradava-lhe a desarrumação do espaço e o segredo com que se deitara, ali, no meio do silêncio.

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